quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

A propósito do 94.º aniversário de Óscar Lopes

No passado 2 de Outubro de 2011, celebrou-se o 94.º aniversário de Óscar Lopes, figura ímpar das nossas letras e ensaísta de reconhecido prestígio a quem – recorde-se –, por iniciativa do infatigável editor José da Cruz Santos e da Cooperativa Árvore, se prestou, entre os dias 10 e 14 de Outubro de 2007, um tributo à altura da dimensão científica, cívica e pessoal do homenageado. Indissociável da valiosíssima obra realizada, a trajetória da vida de Óscar Lopes impõe-se-nos como um exemplo de verticalidade e inteireza moral. Até porque ela se distingue, desde logo, pelo modo como soube alicerçar um excepcional percurso de investigação e docência – em áreas como as Ciências da Linguagem, a Historiografia e a Crítica Literárias – numa visão mais ampla do mundo, determinada pela condição de marxista e de militante comunista de longa data.

Neste momento – e em jeito de breve homenagem – limito-me, pois, a duas notas. Ler o autor de Ler e Depois, assistir às suas conferências (ouvi-o falar de Aquilino, Torga, Eugénio de Andrade e de tantos outros) ou escutar as palavras por ele proferidas em ocasiões em que é objeto de homenagens públicas (palavras que não hesitam, quando necessário, em fazer luz sobre o estado do mundo) constitui uma aventura. A aventura de seguir o rasto de uma inteligência que a todo o momento convoca elementos das mais inesperadas áreas do saber (filosofia, história, economia, física e química, linguística, história da língua, etc.), a fim de lançar luz sobre as tessituras literárias. Escutar e ler Óscar Lopes é testemunhar um pensamento que se desdobra e expande com rigor e coerência, de modo lúcido (palavra cuja remota raiz é a lux, lucis latina) e irradiante. É testemunhar um sentido que se constrói na pista de outro sentido e uma inteligência verbal sem paralelo. É dar graças por estar vivo e poder pensar com as palavras do outro. E é sentir que certos gestos de partilha e de procura de diálogo não têm retribuição possível.

Ao lembrar, por outro lado, o resistente antifascista (que a ditadura salazarista e marcelista prendeu, perseguiu e prejudicou profissionalmente), ao lembrar o homem de bem, o combatente pela liberdade, pela democracia e pela justiça social, direi contudo que «revolucionário» continua a ser aquela palavra incómoda, ou quase, quando se aborda, no aconchego dos salões e dos auditórios académicos, a personalidade e a obra ímpares de Óscar Lopes. (Neste ponto, nada de diferente do que ocorre ou ocorreu com outras figuras, como Maria Lamas, José Gomes Ferreira ou Fernando Lopes-Graça, para apenas citar dois exemplos.)

Quando o registo mais pessoal e íntimo ganha primazia, muitos dos seus discípulos e colegas evocam, e bem, o homem bom e íntegro, o lutador coerente e generoso, atento em permanência ao outro, animado de uma curiosidade ilimitada (reverso da sua simplicidade e natural modéstia). E falam então do homem doce e de olhar vivo, que ama as crianças, os gatos, o chá e as camélias. Do apaixonado pela música (Bach, Mozart, Corelli…) e pela pintura (Paul Klee…). E eis-nos aqui, no terreno da unanimidade. Tudo isto – e não seria pouco – bastaria para dar sentido a uma vida. E ninguém ousará negar a excecionalidade deste complexo de humanas qualidades. Em que, no entanto, os dons e o talento intrínsecos se viram não só modelados por um contexto familiar e local (recorde-se a pobre gente de Leça da Palmeira, onde Óscar Lopes nasceu, e que tantas vezes evoca em entrevistas), mas também afeiçoados por uma educação e um percurso de socialização, em convivência e aprendizagem com os outros. Importa por isso que aquele discurso dos afetos não sirva – como tantas vezes sucede – para deixar na sombra outras realidades: a do homem que assim é e assim se fez porque, neste ponto, a sua personalidade é comparável à própria literatura enquanto criação humana. E, «na literatura, como em geral na cultura, pode sempre distinguir-se uma ideologia, quer dizer, um conjunto de intenções historicamente determinadas, uma visão geral e discutível da realidade e das aspirações humanas» (faço questão de citar palavras da primeira edição que conheci da História da Literatura Portuguesa, 6.ª ed., Porto Editora, s.d., p. 9). Ora, a condição de comunista que Óscar Lopes afirmou desde jovem, com a naturalidade, simplicidade e coragem que lhe são próprias, constitui o fundamento de uma ética, de uma certa maneira de estar na crítica e na investigação, como na vida e na acção política. Porque o seu tempo – não o esqueçamos – é ainda o tempo de Bento de Jesus Caraça, Abel Salazar, Mário Sacramento, Maria Lamas, Ruy Luís Gomes, Armando de Castro ou Fernando Lopes-Graça. Figuras inesquecíveis do século XX português, que nunca dissociaram a cultura científica da cultura humanística e artística. Nem a investigação e a intervenção cultural do exercício de uma cidadania corajosa ao lado do povo com o qual quiseram e souberam aprender. Também por isso, Óscar Lopes é um exemplo para os dias por vir, porque sempre se situou nos antípodas de um modo individualista e egocêntrico, imodesto e oportunista de estar na vida e na academia, na crítica, na cultura. Modo este que não poucos dos seus discípulos e confrades das letras lamentavelmente preferiram adoptar.

José António Gomes

NELA – Núcleo de Estudos Literários e Artísticos da ESE do Porto

domingo, 17 de julho de 2011

Ler e chorar por mais

Já vão uns anos, participei, em Espanha, num congresso sobre literatura e promoção da leitura que tinha como lema o infeliz slogan «Ler não engorda!», fórmula típica deste tempo anoréctico em que vivemos. Ironicamente, fora inventado, segundo julgo saber, por um dos principais responsáveis da organização, personagem divertida e avantajada que nunca perdia a oportunidade de apreciar uma boa comida ou um vinho de qualidade.

É que ler, efectivamente, engorda. Em primeiro lugar, o raciocínio, a sensibilidade, a imaginação, além das competências linguística e literária. Livros há, no entanto, que têm a virtude de nos abrir um duplo apetite: o de ler e o de comer.

Escrever com saber e delícia sobre o comer e o beber, provocando em quem lê essa água-que-cresce-na-boca e reclama o aconchego do estômago, é arte que poucos dominam. Quem se não lembra das impossíveis merendas d’Os Cinco, d’Os Sete e de outras aventuras juvenis? – que me fizeram delir um nunca acabar de jesuítas e torradas com manteiga, nesses intermináveis lanches da infância em que o prazer de devorar um livro e o de comer se confundiam. Quem, ao ler os romances de Saramago, não se apercebe da delícia com que se fala do pão torrado com manteiga; e quem, lendo A Cidade e as Serras, não invejou Jacinto saboreando em Tormes uma canja de galinha e um arroz de favas capazes de fazer os anjos optar pela vida terrena e de surpreender um civilizado palato parisiense? E como não recordar a passagem de The Importance of Being Earnest, de Oscar Wilde, que para sempre me conquistou para o chá preto com sanduíches de pepino? Ou ainda as pantagruélicas refeições do senhor António José da Silva, abastado mercador de panos da Rua das Flores, no Porto, que, num jantar de maior fastio provocado pela má sorte aos amores, se limitava a comer, no dizer de Camilo Castelo Branco, «obra de arrátel e meio de cozido da perna, uma travessa de arroz com rodelas de linguiça, uma côncava pelangana de carneiro ensopado com batatas, uma tigela de chorudo caldo com sopas que se levantavam entumescidas quatro polegadas acima do nível da tigela, um quarto de ceira de figos de comadre, alguns copos de vinho à proporção, e mais nada.» E acrescenta Camilo, ainda em A Filha do Arcediago (Mem Martins: Europa-América, s.d.), que «a Sr.ª Angélica, assustada do fastio de seu irmão, pouco mais comeu.»

Matizo o que afirmei no início: quando a imaginação é alimentada por bons livros, ler não engorda a mente; antes a torna musculada e ágil. E a fruição de palavras e enredos não anda longe da degustação. É que, como escreve A. B. Alcott, «um bom livro é aquele que se abre com esperança e se fecha com proveito». Tal qual uma boa e honesta refeição.

José António Gomes

NELA – Núcleo de Estudos Literários e Artísticos da ESE do Porto

domingo, 29 de maio de 2011

Os Livros, de Manuel António Pina (Prémio Camões)

Numa entrevista datada de 1993, Manuel António Pina declarou que os seus textos mais autênticos eram escritos «com sangue que é composto de ideias, sentimentos, afectos, desejos, anseios, memórias. E essas memórias estão repletas de leituras.» (Pina, 1993: 13).

Na realidade, em Os Livros (Lisboa: Assírio & Alvim, 2003), não é difícil encontrar tudo isto, tudo o que parece estar na origem da produção literária de Manuel António Pina e que, em larga medida, coincide, na obra em apreço, com as multímodas faces da memória.

Logo no poema inaugural, «O Livro», surge anunciada uma das linhas isotópicas mais recorrentes e unificadoras dos vinte e dois poemas guardados na colectânea: a procura incansável, ininterrupta e, por vezes, vã dos sentidos do livro, da literatura e da leitura ou, de um modo geral, do conhecimento de si próprio e dos outros.

Em Os Livros, descobrem-se e escondem-se simultaneamente alguns dos ecos que, com naturalidade, pontuam a escrita do autor da envolvente novela Os Papéis de K. (Lisboa: Assírio & Alvim, 2003), fazendo-se deste livro, no qual se encontram pedaços seleccionados de outros livros, um repositório exemplar desse amor pela literatura, uma afectividade deixada inevitavelmente escapar tanto na escrita para adultos como na que se destina aos leitores mais jovens. Daí que, nestes poemas, as obras dos outros, os versos ou as palavras dos outros (como as de Baudelaire, Coleridge ou Dante Gabriel Rossetti) se (entre)cruzem, a cada passo, com a voz póetica de Manuel António Pina, num discurso pleno de leituras plurais do passado (da infância, por exemplo) e do presente (das vivências solitárias ou das figuras do quotidiano, por exemplo).

Mas se, neste livro, se fala muito das palavras e da sua escrita, questionando-se até o papel e o valor destas (como em «Separação do Corpo»), não menos se debate o eu poético numa espécie de ininterrupta tarefa de se procurar ou de se questionar, porque esta é, também, uma escrita da qual não se encontra ausente uma pronunciada vertente dubitativa (note-se que as palavras de encerramento de muitos destes textos são de tipo interrogativo). Aliás, a poesia de Manuel António Pina, esta poesia, em particular, representa um documento humano, composto por um conjunto de reflexões das quais emergem, não raras vezes, várias interpelações directas a um tu – leitor ou não –, diversas “discórdias” frequentemente paradoxais e alguns inquietos desdobramentos psíquicos.

Os Livros é livro breve, feito de uma poesia densa e forte, um livro que emite o som de muitas palavras e que abre generosamente o «caminho das interpretações e dos sentidos» (Pina, 2003: 19), um caminho a apelar a um regresso. «Aonde regressamos então?» (idem, ibidem: 24).

Referência bibliográfica

PINA, Manuel António (1993): «A poesia como forma de vida» (entrevista conduzida por Sandra Sousa) in Jornal de Letras, 02/03/04, pp. 13-14.

Sara Reis da Silva

(Universidade do Minho e membro associado do NELA - Núcleo de Estudos Literários e Artísticos da ESE do Porto)

sábado, 30 de abril de 2011

Cantata em Dois Andamentos, texto de Serafim Ferreira e ilustrações de Alfredo Martins

Um primeiro olhar sobre Cantata em Dois Andamentos (Porto: Campo das Letras, 1998) oferece, na capa, e da autoria de Alfredo Martins, a bela e diluída imagem de um rapazinho de calções, com ar pensativo, à sombra de uma árvore frondosa à qual porventura confia os seus segredos ou da qual escuta a secreta voz, como acontecia em O Meu Pé de Laranja-lima, de José Mauro de Vasconcelos. Ligeiramente velada, a imagem parece representar cena antiga, qualquer coisa a que o tempo conferiu contornos vagos, como se se tratasse de episódio de infância desfocado pela passagem dos anos ou pela memória de um adulto.

Quando lemos o segundo dos dois textos (ou «andamentos») que compõem a Cantata, descobrimos que esse adulto, apenas pressuposto pela imagem da capa, tem 57 anos, daí que a obra ostente o seguinte subtítulo: Histórias de meninos opus 57. Ficaremos ainda a saber que o adulto em causa viu nascer dois netos no espaço de pouco mais de um ano, e que estes foram crismados com nomes de ressonâncias bíblicas e religiosas: David – como o que, no Antigo Testamento, enfrentou o gigante Golias – e Tomás – homónimo do santo autor da Suma Teológica. E assim temos apresentadas as três figuras nucleares da obra de Serafim Ferreira: um narrador que dirige a dois narratários distintos, primeiro um neto, depois outro, duas missivas, em que a reflexão sobre o destino humano se cruza com narrativas de acontecimentos protagonizados por esse mesmo avô-contador-de-histórias e pelas duas crianças. Verifica-se, portanto, a curiosa coincidência de tanto o narrador como os narratários (em pequenos) se constituírem em simultâneo como personagens da acção.

Deste modo, não se está propriamente ante um autor adulto que dirige uma obra a um público infantil (muito embora aceite enquadrá-la numa colecção para crianças), mas sim perante um Escritor que cria um universo ficcional (certamente com fundas raízes em experiências vividas), no âmbito do qual se estabelece um início de diálogo, ou pelo menos uma comunicação entre um avô-narrador e os seus netos, comunicação essa cuja iniciativa pertence ao primeiro. E é talvez apenas neste sentido que – um tanto impropriamente – Cantata em Dois Andamentos, de Serafim Ferreira, poderá ser admitido como texto «para crianças».

Mudando de plano, e se é legítimo neste caso aproximar o conteúdo da ficção da biografia do Autor empírico, direi que, quando vierem a ler a obra, é provável que os netos do Escritor (os verdadeiros David e Tomás da dedicatória) vejam nela projectados aspectos da sua existência «real», mas porventura apenas apreenderão o livro na plenitude do seu sentido, uma vez atingida a idade adulta. Ou seja, neste aspecto, Cantata em Dois Andamentos é uma obra para ir sendo lida e relida, à medida que se cresce. Cada leitura irá assim surpreendendo novas implicações semântico-pragmáticas, permitindo a construção em espiral de um sentido progressivamente mais amplo e matizado, como por certo o pretendeu o Autor.

Partindo do princípio de que um livro se lê na sua globalidade, isto é, considerando desde logo as relações entre texto e paratexto, é impossível ignorar o título que, de imediato, evoca uma peça musical, a «cantata», a qual se define como composição em que a voz ocupa lugar de relevo – e, de passagem, aproveito para chamar a atenção para o carácter oracular da voz deste avô. A cantata pode ser – e muitas vezes o foi – uma peça musical de celebração de um acontecimento ou até de exaltação religiosa, acepção indissociável do que constitui a singularidade do presente texto, tanto no plano das formas do conteúdo como ao nível das formas da expressão.

Com efeito, ambos os «andamentos» desta Cantata celebram o nascimento, o de David e o de Tomás, e fazem-no de forma quase ritual. No primeiro («O Menino, os Doutores e a Estrela»), estabelece-se como que um paralelo entre a vinda de David ao mundo e o nascimento e infância de Jesus, num texto que é sintomaticamente antecedido de uma epígrafe retirada do «Cântico dos Cânticos» do rei Salomão, em tradução de Herberto Helder. Nas entrelinhas, não se fica indiferente à leve ironia com que é observada a assistência hospitalar, sendo que os Doutores, neste caso, são os cinco médicos intervenientes em momentos sucessivos do atribulado processo de um parto. No segundo «andamento», evoca-se o filósofo S. Tomás de Aquino a propósito do nascimento do neto Tomás, recordando-se o facto de ter sido o dominicano quem proclamou: «existe nos homens uma lei natural que é a sua forma de participação na lei eterna, segundo a qual eles sempre sabem distinguir o bem e o mal» (p. 22) – e por aqui se começa a adivinhar uma certa dimensão perlocutória do discurso.

A coerência estrutural da obra não repousa apenas nos já citados paralelismos, alguns deles utilizados para relatar os nascimentos em tom quase bíblico, ainda que salpicado, aqui e acolá, de ironia e de alguns efeitos de carácter parodístico. Ela assenta também no recurso a uma esfera lexico-semântica que compreende palavras e expressões como «No princípio não se sabia bem ao certo se era o Verbo» (p. 10), «nova corrida a todos levou, não de Herodes para Pilatos, mas de um para outro hospital» (p. 12), «depressa chegaram as primeiras carícias e oferendas trazidas das Terras dos Vales» (p. 14), «Aleluia!» (pp. 14 e 31), «Olha, Tomás, diz-se que no princípio se criou os céus e a terra» (p. 30), «E alguém proclamou: "Faça-se a luz". E a luz foi feita» (p. 30). Em suma, tais termos de acentuada ressonância ritual e religiosa, pronunciados por alguém que quase parece enunciar uma narrativa mítica, denunciam certa preocupação com o sagrado, que não se esgota aliás nessas expressões particulares, abrangendo também o tom geral da prosa, especialmente em certas passagens cuja musicalidade e ritmo surgem mais apurados – o que, uma vez mais, remete o leitor para o título: Cantata. É em tais momentos que alguma coisa neste discurso traz à memória a harmonia poética das narrativas fundadoras ou dos salmos e das preces, como acontece, por exemplo, no parágrafo de abertura de «O Menino, os Doutores e a Estrela», onde também são visíveis infiltrações de discurso lírico (v. p. 10).

Mas se estes textos – em termos genológicos dificilmente classificáveis, pois neles se cruzam elementos do género epistolar, da narrativa autobiográfica e até da lírica – se estes textos, dizia, parecem perseguir qualquer coisa de sagrado, quer ao nível dos conteúdos quer em termos expressivos, neles existe também muito de profano, no sentido mais positivo da palavra que, neste caso, pretendo esteja próximo do do adjectivo «humano». Dito de outro modo, são sobretudo as voltas e reviravoltas da vida dos homens, fecundas de exemplos e de ensinamentos, que interessa ao narrador reter e, à boa maneira do contador de histórias tradicional, transmitir àqueles que prolongarão a sua estirpe – que é também, no fim de contas, a estirpe do próprio homem. Aproveite-se para assinalar que Alfredo Martins, nas suas ilustrações, soube captar bem relances e flashes dessa dimensão humana a que estou a referir-me (e que surge enfatizada nos 2.º e 3.º capítulos de cada andamento): as figurações do corpo de Vera prestes a dar à luz, do nascimento de David, do neto brincando com o avô, dos jogos e aventuras de infância que este último rememora para Tomás.

No final do segundo andamento, dedicado precisamente a este neto, pode ler-se: «acredita que não há nisto que te conto outra intenção que não seja a de te evocar desde o começo do mundo esta lição das coisas e deverás por ti saber inscrevê-la na Árvore da Vida que, estou certo, te acompanhará pelos anos em diante» (p. 31).

Que sentidos – perguntar-se-á – assume esta «lição das coisas» que o avô deixa em herança aos netos? Em primeiro lugar, a ideia de que existe um tempo próprio para cada coisa, nomeadamente «para nascer e para morrer» (p. 10) e de que a existência humana é uma sucessão de situações, sentimentos, atitudes, posicionamentos cívicos, por vezes contraditórios, que ciclicamente se repetem ao longo da História. Em seguida, e a propósito de Maio, o mês de nascimento de David, evocar-se-á o exemplo do cantor José Afonso, ou seja, o de alguém que ao longo da vida nunca deixou «de sonhar endireitar o mundo» (p. 15). Finalmente, e por ocasião de uma prevista visita à Expo '98 com David, o avô pronunciará esta frase lapidar: «– Não, David, este rio [o Tejo] não é nada maior que o mundo, porque o mundo, sabes, tem o tamanho que nós quisermos.» (p. 15).

Em «Tomás e a Árvore dos Segredos», o narrador alerta para a distância infinita que vai entre aquilo que somos e aquilo que nos sonhamos (lição para a qual a epígrafe de Fernando Pessoa, a pp. 21, logo remete). Daí que evoque a sua própria infância, como se verá, depois de sublinhar a necessidade de pervivência dessa lei natural segundo a qual sempre se saberá distinguir o bem do mal, e após augurar para o neto um mundo que deverá abrir-se «por horizontes de alegria e de esperança» (p. 22), em que o país «será com certeza mais aberto e disponível para outras formas de afirmação» (p. 23).

Muito mais se poderia afirmar a propósito dessas «lições das coisas» para que aponta o texto de Serafim Ferreira, mas talvez valha a pena salientar a que se prende com a evocação da própria infância do narrador, no Porto dos anos 40 e 50, uma das passagens mais belas do livro.

Marcada pelas dificuldades da vida e pela crueldade de uma escola repressiva, essa infância cujos dias se podiam iluminar também com o companheirismo e com o jogo, com as mil aventuras vividas com outros «catraios da beira-rio e mareantes de outros sonhos» (p. 24), essa infância sofrida, mas por vezes exaltante, é a mesma que descobrimos na terceira obra de ficção que Serafim Ferreira publicou: Litoral do Espanto (1.ª ed., 1968). E porque «tudo, (...) tudo está tomado de infância», como escrevia Grombrowicz em frase citada a abrir a narrativa de 1968, não poderia o narrador deixar de a convocar de novo para esta Cantata dirigida aos netos, por vezes com os mesmos nomes, os mesmos lugares – do Porto ribeirinho –, designadamente esse Jardim do Morro onde crescia a grande japoneira que era a Árvore dos Segredos, confidente dos meninos da beira-rio, «talvez só dos pequeninos segredos» que tinham «para encher o passar das horas, sem mais brinquedos que desafiassem a (...) [sua] imaginação» (p. 26).

Nesse quadro de infância exposto em «Tomás e a Árvore dos Segredos», se começaram a desenhar os destinos futuros de cada criança, entre os quais o do Luís que, nas brincadeiras, nunca queria ser ladrão mas acabaria, em adulto, a «malhar com os ossos na cadeia, por roubos e assaltos» (p. 28), até por fim se lançar um dia da ponte Dom Luiz para as «águas tristes do Douro» (p. 28). Do confronto entre o que foram os projectos e sonhos de infância e o que veio a ser realmente a vida de cada um, extrai o narrador a lição que poderia ser formulada com a quadra de Pessoa escolhida para epígrafe do segundo andamento: «Entre o sono e o sonho, / Entre mim e o que em mim / É o que eu me suponho, / corre um rio sem fim.» (p. 21).

A propósito da pintura de Alfredo Martins, o ilustrador de Cantata em Dois Andamentos, refere o próprio Serafim Ferreira um «processo expressionista de fixar a memória de todas as coisas em cores (...) depuradas» 1. Permito-me pensar que essa mesma fixação de memórias – neste caso as que o texto convoca filtradas pela própria memória do ilustrador – está presente nas imagens concebidas para a Cantata de Serafim Ferreira. São notórias, aliás, as afinidades entre a pintura de Alfredo Martins e as suas ilustrações. Dir-se-ia estarmos sobretudo ante representações – quase sempre de pessoas – que o tempo expurgou de elementos secundários, numa procura do essencial que leva o pintor-ilustrador a deixar em branco os espaços que a imaginação do leitor deverá ela própria preencher. Tal característica permite, ao mesmo tempo, que a atenção de quem observa se oriente para a centralidade das figuras e para a expressividade que as individualiza.

Tive já a ocasião de escrever que, em Alfredo Martins, o desenho é sempre cuidado e sugestivo e a composição, uma vez que não preenche a totalidade do espaço disponível, dá por vezes intencionalmente a impressão de imagem inacabada, em que o fundo branco se confunde com o próprio papel da página, como se não existissem fronteiras entre a ilustração, o texto verbal e o livro que lhes serve de suporte. Estamos assim ante quadros que envolvem o leitor, na medida em que deixam espaço para que este os complete mentalmente, neste caso com a orientação da palavra de Serafim Ferreira. O produto final é uma obra de qualidade, cujas imagens se articulam com os diferentes momentos da narrativa, abrindo contudo horizontes e inscrevendo-se na nossa memória – o mesmo tipo de razões que levaram à atribuição do Prémio Nacional de Ilustração de 1997 a outra obra de Alfredo Martins, também editada pela Campo das Letras: A Bruxa, o Poeta e o Anjo (Porto: 1997), com texto de Mário Cláudio.

Ambas, a narrativa de Serafim Ferreira e a ilustração de Alfredo Martins, constituem formas de celebração da existência ou, como diria o avô ao seu neto Tomás, pretendem tão-só despertar em nós o sentimento de um mundo a «abrir por horizontes de alegria e de esperança» (p. 22). Por isso, como diz com propriedade o mesmo avô, o livro que desse mundo fala não poderia senão ser uma «cantata de amor e louvação à própria vida» (p. 26).

Esta Cantata é, pois, um livro para os dias de hoje e para os tempos incertos de amanhã. Porque as nossas crianças necessitam ainda e sempre da nossa vigília.

Nota

1 Serafim Ferreira, «Alfredo Martins ou a alquimia da pintura», texto incluído em Alfredo Martins, catálogo da exposição individual de pintura de A. M., realizada na Galeria Inter-Atrium, Porto, Inter-Atrium, 1999, pp. 8-9.

José António Gomes

(NELA - Núcleo de Estudos Literários e Artísticos da ESE do Porto)

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Vergílio Alberto Vieira: 40 anos de escrita

Em A Imposição das Mãos (Porto: Campo das Letras, 1999; Grande Prémio de Literatura ITF/DST 2001), Vergílio Alberto Vieira reúne, em jeito de balanço, o melhor de vinte anos da sua produção poética (1977-1997), sujeita a um trabalho de selecção, eliminação e corte.

Às cinco secções iniciais, já editadas, vem juntar-se uma colecção de poemas então inéditos em livro («Cidade irreal e outros poemas») de uma voz revelada em 1971 (Na Margem do Silêncio, Braga: Pax), que viria a repartir o seu labor por outras formas de expressão literária: a narrativa de ficção, a escrita diarística, a literatura para a infância, o texto dramático e a crítica.

Contenção e minimalismo, um quase-apagamento intencional do eu, ligado também à recusa de um lirismo à-flor-do-verso, aproximam por vezes esta poética da do haiku japonês. Daí que, no posfácio que escreveu para este livro, Gil de Carvalho possa falar em «parcimónia». E é recorrendo a essa forma muito própria de exprimir a beleza ou o horror do real que o poeta desagua, por vezes, nessas «fulgurações» (título de uma das séries) de que é feita a sua poesia:

A uma ave

compete

A orla incandescente (p. 68)

Leia-se ainda:

Um ramo

de chuva

Cinge o coração (p. 69)

Ou ainda este outro exemplo:

Tangível à noite, uma figueira cega persiste junto à cal. (p. 95).

Registe-se, contudo, que esta parcimónia evoluirá, já em período posterior ao dos segmentos aqui citados, para uma discursividade de maior fôlego – e de evidente domínio das artes poéticas –, detectável, por exemplo, nas superiores séries de sonetos, por vezes de ressonância mirandina e mesmo camoniana, que abrem a súmula poética de Papéis de Fumar (Porto: Campo das Letras, 2006).

Uma poesia, pois, a reler. Uma singularidade a reavaliar, já que, a 20 de Maio, decorrerá, no Auditório Multimédia do Instituto de Educação da Universidade do Minho, um simpósio sobre a Obra do Autor, que, este ano, completa quarenta anos de vida literária. Organizado pela unidade curricular de Literatura para a Infância e Juventude (Instituto de Educação – Universidade do Minho) e a Tropelias & Companhia – Associação Cultural, o simpósio conta com a participação de José António Gomes, Ana Margarida Ramos, Sara Reis da Silva, João Manuel Ribeiro e as ilustradoras Teresa Lima, Marta Madureira e Anabela Dias, além do próprio autor homenageado.

José António Gomes

(NELA - Núcleo de Estudos Literários e Artísticos da ESE do Porto)

quinta-feira, 24 de março de 2011

À memória de Elizabeth Taylor

Azuis-violeta. Assim os descreviam. No início (era o tempo dos animais), dir-se-ia que a inocência os habitava. Depois o embate dos dias, a fervença do corpo, o torvelinho investiram-nos de tempo, a ponto de os tingir de todos os matizes: do ardor ao desespero, da loucura à perversidade. Improvável beleza que parecia perene. Mas, como toda a formosura, também a deles era quebradiça. Quando partiram, um pouco de muitos partiu com eles.

João Pedro Mésseder

segunda-feira, 21 de março de 2011

Dia Mundial da Poesia 2011

domingo, 27 de fevereiro de 2011

José Régio – um par de memórias: crónica

Tinha treze anos quando a notícia da morte de José Régio chegou aos meus ouvidos. Frequentava o então 4.º ano do Liceu de Alexandre Herculano, no Porto, e os meus interesses escolares centravam-se na disciplina de Português. Leccionava-a (estávamos em 1969) Lucinda Araújo – poetisa estimável 1, o que só viria a saber mais tarde. (Não resisto a um parêntesis para recordar que, pela primeira vez no meu percurso de estudante, tivera a sorte de um professor aconselhar, para eventual leitura de férias, uma lista de romances e contos de autores portugueses. Em alguns dos adolescentes que então éramos, este conselho foi semente que deu fruto. A Lucinda Araújo o devemos.)

Desde muito cedo a leitura me ajudara a preencher os tempos livres. Mas a 8.ª edição da Selecta Literária (1968) organizada por Júlio Martins e Jaime da Mota, publicada pela Didáctica Editora e adoptada como manual de leitura para os então 4.º e 5.º anos do liceu, não oferecia apenas textos dos grandes autores do passado. Pela primeira vez, abriam-se-nos as portas da modernidade, já que a selecta dava a ler também textos de Pascoaes, Pessoa, Sá-Carneiro, Régio, Aquilino, Torga, Sebastião da Gama e outros. Cada nota biográfica vinha acompanhada de um rosto – e os olhos de Régio interpelavam-nos, olhando-nos fixamente por trás das lentes dos seus óculos de aros grossos.

Nesse mesmo ano — em que simultaneamente começara a interessar-me por música, por política e a trocar versos com amigos –, lembro-me da intensa impressão provocada pela leitura da «Balada de Coimbra» (do livro Fado) e do poema «Nossa Senhora» (de Mas Deus é Grande). E também de ter deparado, um par de vezes, com a figura de Régio na televisão. Seduzia-me, nessa altura, a coloquialidade de alguns dos seus decassílabos, tão diversa da pompa neo-clássica a que me tinham habituado alguns setecentistas lidos pouco tempo antes: «Tenho ao cimo da escada, de maneira / que logo, entrando, os olhos me dão nela, / uma Nossa Senhora de madeira / arrancada a um Calvário de capela.» (Júlio Martins e Jaime da Mota, op. cit., p. 421).

Quando enfim dispus de um magro pecúlio para adquirir, por minha livre inciativa e escolha, literatura «a sério», e desse modo começar uma verdadeira biblioteca de romances e poesia, vi-me na contingência de escolher dois dos livros menos caros que então encontrei na livraria. A minha opção recaiu em Eça (A Cidade e as Serras) e no menos volumoso livro de poemas que então descobri entre as obras de Régio – esse poeta de rosto conhecido, cujo falecimento, noticiado meses atrás, deixara pesarosa a minha adolescência. Guardo religiosamente esse pequeno volume – a 2.ª edição de Filho do Homem (1.ª ed., 1961; 2.ª, Portugália, 1970) –, pois com ele dei início à minha colecção de livros de poesia. E a bela e estranha ave que João da Câmara Leme desenhara para a capa conquistou para sempre um poiso na minha memória.

Cada poema era precedido do nome do ciclo em que se inseria, dando assim a conhecer, desde logo, alguns dos tópicos recorrentes da poética regiana: Deus e o Homem («O Pólo Sumo»), o amor, o erotismo e a morte («O Amor e a Morte» e «Os Epitáfios»). Mais do que todos, me fascinavam porém os poemas do «Cancioneiro de João Bensaúde» – onde alguns terão querido ler uma manifestação heteronímica, semelhante às do poeta que Régio trouxera para as luzes da ribalta literária, nos primeiros números da presença: Fernando Pessoa 2.

Com aquela ousadia (e sua ponta de irresponsabilidade) de quem não é assíduo frequentador do autor de A Chaga do Lado, direi que João Bensaúde se me afigura antes como um sujeito lírico peculiar na poesia de Régio — aquele que lhe permitia cultivar uma certa «simplicidade» e leveza de expressão (alguns críticos achá-la-iam problemática), por vezes uma construída ingenuidade de vagas ressonâncias caeirianas. Pensando nas gerações mais jovens, encontro hoje, nesses traços, uma das possíveis portas de entrada no universo poético de José Régio: «Meus versos que afinal sois naturais / Como as rosas, os montes, as nascentes, / De que abismos chegais? / Desceis de que vertentes? // (…) Sou eu que vos componho, ou vós que me criais, / Meus versos hoje nus e secos, / Meus versos que afinal sois naturais, / – Rosas e estrume, águas e lodo, montes, ecos…?» (Filho do Homem, ed. cit, pp. 82-83).

Fugiria, por outro lado, à verdade se dissesse que a minha adolescência ficara indiferente ao poderoso erotismo que se desprende dos poemas do ciclo «O Amor e a Morte» (e, em geral, de muita da grande poesia de Régio). Na realidade, a beleza (e sensualidade) de alguns destes versos não mais me abandonaram: «A mulher que eu amo, que impressão me faz! / De cabelos rasos, parece um rapaz. (…) Com seu riso aéreo nos lábios vermelhos, / Ela, então, recebe-me, entre os nus joelhos, / Sobre o longo corpo inteiramente franco… / E os seus olhos mortos boiam só em branco.» (Filho do Homem, p. 10).

Que dizer por outro lado das glosas do tema do poeta morto que «Os Epitáfios», entre o terno e o amargo, nos propõem: «As asas não lhe cabem no caixão! / A farpela de luto não condiz / Com seu ar grave, mas, enfim, feliz; / A gravata e o calçado também não. (…) Não vêem que ele, nu, faz mais figura, / Como uma pedra ou uma estrela? / Pois atirem-nos assim à terra dura, / Ser-lhe-á conforto: / Deixem-no respirar ao menos morto!» (Filho do Homem, p. 20).

A plasticidade destes versos, a frescura e coloquialidade de muitos deles, o torturado mas fino olhar poético que revelam ainda hoje surpreendem. Razões de sobra para regressar a esta poesia e a Filho do Homem – pequeno grande livro que ainda guarda, nas suas páginas amarelecidas, o rasto de um deslumbrado olhar adolescente. O meu – aqui lembrado em honra e louvor de José Régio, arrebatado pela morte no ano em que, pela mão dos seus versos, me iniciei na palavra dos poetas.

Notas

1 Lucinda Araújo publicou Nunca mais Amanhece – Poesia (Porto: [Inova imp.], 1968), O Sabor das Amoras – Poesia 2 (Vila Nova de Gaia: [Tipografia Rocha], 1973) e Calendário Egípcio – Poesia 3 (Porto: Figueirinhas, 1985). Sobre Calendário Egípcio, leia-se Luísa Dacosta (1992). Na Água do Tempo. Lisboa: Quimera, pp. 334-336.

2 Sobre esta questão, leia-se, por exemplo, «João Bensaúde: heterónimo ou alter-ego de José Régio», de Albano Martins, texto incluído no seu livro A Letras e as Tintas (Famalicão: Quasi, 2006), pp. 9-12.

José António Gomes

(NELA - Núcleo de Estudos Literários e Artísticos da ESE do Porto)

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A Maresia e o Sargaço dos Dias, de Luísa Dacosta

Comum às crónicas de A-Ver-o-Mar (Porto: Figueirinhas, 1981) e aos poemas de A Maresia e o Sargaço dos Dias (Porto: ASA, 2002, col. “Pequeno formato”), de Luísa Dacosta, é a presença obsidiante do mar e da praia. Estes funcionam como o universo do qual emergem a matéria verbal e os processos estilístico-retóricos dos poemas, mas sobretudo como mapa pessoal no qual se foram inscrevendo lugares de uma geografia íntima, como a mitificada aldeia de A-Ver-O-Mar, matriz de figurações míticas construídas pela própria Autora.

Nas crónicas, é recorrente a cena das mulheres-Penélopes esperando os seus homens embarcados, espelho da situação do “eu” retomado em A Maresia e o Sargaço dos Dias. Por isso essas mulheres marcam também presença nos poemas, que permitem por outro lado ler referências à dura faina dos sargaceiros. Até porque Luísa Dacosta conheceu por dentro esta comunidade cujo declínio, em tom de despedida, é evocado no prefácio. Mas esta poesia configura sobretudo um discurso de amor naufragado que deixa perceber a sua genealogia literária: as vozes femininas das marinhas galaico-portuguesas e do cancioneiro popular. Uma escrita que se reinventa para lembrar e ser lembrada, a fim de que a memória da que escreve vença o tempo, um pouco à semelhança do sujeito feminino do poema “Entalhe” (p. 70) que logrou transformar em “lembrança viva” a sua própria imagem pretérita: “Era uma lembrança viva. / Mas a realidade tinha passado, / como um barco, ao deixar para trás / a linha do horizonte.(…)” (p. 70).

José António Gomes

NELA (Núcleo de Estudos Literários e Artísticos da ESE do Porto)